quarta-feira, 18 de novembro de 2009

AS TRÊS CATEGORIAS PEIRCIANAS E OS TRÊS REGISTROS LACANIANOS - I as categorias universais de Peirce

ARTIGO: AS TRÊS CATEGORIAS PEIRCIANAS E OS TRÊS REGISTROS LACANIANOS
DE: Maria Lucia Santaella Braga, Dpto de Comunicação e Semiótica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP
ED: Revista de Psicologia da USP, vol.10 n.2 São Paulo 1999

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1. As categorias universais de Peirce

Peirce levou exatamente 30 anos, de 1967 a 1897, para completar sua teoria das categorias. Estas foram originalmente apresentadas no seu ensaio de 1867 "Sobre uma nova lista de categorias" (Pierce, 1931-1958, 1.545, também publicado em Pierce, 1981, vol. 2, pp. 49-59 e Peirce, 1992, pp. 2-10). Entretanto, foi apenas em 1897 que o sistema triádico de Peirce ficou "fundamentalmente completo," quando ele "acrescentou o possível como um modo de ser, e, ao fazê-lo, desistiu da sua teoria probabilística das freqüências inspirada em Mill," renunciando, ao mesmo tempo, a qualquer resquício de nominalismo que pudesse ainda porventura haver em seu pensamento. Foi só em 1902 que Peirce adotou suas categorias, então chamadas de categorias fenomenológicas, como base geral para toda a sua doutrina lógica.

Como afirmado em 1902 (L75: B8), há três perspectivas a partir das quais as categorias deveriam ser estudadas antes de serem claramente apreendidas: (1) qualidade, (2) objeto e (3) mente. Do ponto de vista ontológico da qualidade, o ponto de vista da primeiridade, as categorias aparecem como: (1.1) qualidade ou primeiridade, isto é, o ser de uma possibilidade qualitativa positiva, por exemplo, a mera possibilidade de uma qualidade nela mesma, tal como vermelhidão, sem relação com qualquer outra coisa, antes que qualquer coisa no mundo seja vermelha. (1.2) reação ou secundidade, quer dizer, a ação de um fato atual, qualquer evento no seu aqui e agora, no seu puro acontecer, no ato em si de acontecer, o fato em si mesmo sem que se considere qualquer causalidade ou lei que possa determiná-lo, por exemplo, uma pedra que rola de uma montanha. (1.3) Mediação ou terceiridade, o ser de uma lei que governará fatos no futuro (Pierce, 1931-1958, 1.23), qualquer princípio regulador geral que governa a ocorrência de um fato real, como por exemplo, a lei de gravidade que rege o rolar da pedra da montanha.

Do ponto de vista do objeto ou secundidade, isto é, do ponto de vista do existente, as categorias são: (2.1) qualia, quer dizer, fatos de primeiridade, por exemplo, a qualidade sui generis do vermelho no céu em um certo entardecer de um outono qualquer nos pampas gaúchos. (2.2) relações, isto é, fatos de secundidade, tal como a percussão resultante da batida da pedra no chão, quando o esforço da pedra contra a resistência do solo resulta em polaridade bruta. (2.3) representação, isto é, signos ou fatos de terceiridade: a palavra "céu," uma foto ou uma pintura do céu como signos do céu.

Do ponto de vista da mente ou terceiridade, as categorias são: (3.1) sentimento ou consciência imediata, quer dizer, signos de primeiridade, por exemplo, a qualidade de sentimento vaga e indefinida que a vermelhidão do céu em um crepúsculo no outono produz em um certo observador. (3.2) sensação ou fato, quer dizer, sentido de ação e reação ou signos de secundidade, por exemplo, ser surpreendido diante de um fato inesperado. (3.3) concepção ou mente nela mesma, sentido de aprendizagem, mediação ou signos de terceiridade, por exemplo, este parágrafo que acabo de escrever e que você está lendo agora (Houser et al., 1992, p. xxvii; Peirce L75: B8; cf. Santaella, 1992, p. 75).

O tópico mais importante relativo às categorias peircianas, entretanto, está no fato de que elas são universais. Os conceitos categoriais são, portanto, extremamente gerais e abstratos. Peirce (1931-1958) afirmou que suas categorias meramente sugerem um modo de pensar: "Talvez não seja correto chamar as categorias concepções. Elas são tão intangíveis que não passam de tons ou nuanças das concepções" (1.353).

Assim, as categorias universais não substituem nem excluem a variedade infinita de outras categorias mais específicas e materiais que podem ser encontradas em todos os fenômenos. Elas são apenas noções gerais indicando o perfil lógico dentro do qual algumas classes de idéias se incluem. Desse modo, as categoria da primeiridade inclui as idéias de acaso, originalidade, espontaneidade, possibilidade, incerteza, imediaticidade, presentidade, qualidade e sentimento. Na secundidade, encontramos idéias relacionadas com polaridade, tais como força bruta, ação e reação, esforço e resistência, dependência, conflito, surpresa. Terceiridade está ligada às idéias de generalidade, continuidade, lei, crescimento, evolução, representação e mediação.

Disso se pode concluir que as categorias também estão logicamente subjacentes aos três registros psicanalíticos. Dada a generalidade lógica dessas categorias, entretanto, elas não são capazes de especificar o conteúdo desses registros, pois essa especificação só pode vir do campo da psicanálise. Conseqüentemente, a fenomenologia e a semiótica só podem fornecer o substrato lógico, sem poder indicar quais são as características específicas que a primeiridade, secundidade e terceiridade adquirem na psicanálise. A natureza dos três registros será apresentada brevemente abaixo, seguida do exame de suas correspondências com as três categorias."

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